Empresa usa precedentes falsos e leva multa por litigância de má-fé
Fonte: Consultor Jurídico
Três precedentes do Superior Tribunal de Justiça e um do Tribunal de Justiça
de São Paulo foram utilizados por uma empresa de consultoria de Belo
Horizonte para fundamentar um agravo com o qual tentava incluir a JBS no
polo passivo de um processo de execução de dívida contra uma usina de álcool
que faliu. A consultoria desejava demonstrar que as provas que sustentam a
admissão da procedência de pedido de desconsideração da personalidade
jurídica não podem ser descartadas em decisão posterior.
Essa narrativa, porém, tinha um problema: nenhum desses quatro precedentes
existe. Todos foram inventados pela criativa autora do agravo.
O estelionato intelectual não terminou impune, uma vez que, em decisão da
última segunda-feira (14/4), os desembargadores da 34ª Câmara de Direito
Privado do TJ-SP multaram a consultoria por litigância de má-fé, em 8% do
valor da dívida. Além disso, a empresa foi condenada a pagar também os
honorários sucumbenciais da parte vencedora. E o caso será comunicado à
Ordem dos Advogados do Brasil para que sejam tomadas as devidas
providências.
Para arrolar a JBS como devedora, a consultoria Batagini, Carvalho e Castro
impetrou um incidente de desconsideração da personalidade jurídica contra a
Tinto Holding, controladora da usina falida. Isso porque a JBS incorporou, em
2009, o frigorífico Bertin, que deu origem à Tinto Holding.
Em novembro do ano passado, o TJ-SP negou a inclusão da JBS no processo
como devedora. A consultoria, então, impetrou um agravo de instrumento
contra a decisão. Ela argumentava que uma sentença de 2018 da corte paulista
havia aceitado um pedido de desconsideração da personalidade jurídica contra
a Tinto Holding por reconhecer confusão patrimonial no controle da empresa.
Por essa razão, segundo a consultoria, a ação contra a JBS deveria ter o mesmo
fim.
A hora do estelionato
Para sustentar os argumentos de sua autora, o agravo citava um suposto acórdão
da 1ª Câmara de Direito Privado do TJ-SP, sob relatoria de Ana Catarina
Estrada. Segundo o trecho destacado no agravo, um pedido de desconsideração
da personalidade jurídica é procedente caso “as provas apresentadas
demonstrem elementos que indiquem desvio de finalidade ou confusão
patrimonial”.
Os outros três precedentes citados no agravo eram trechos de supostas ementas
do STJ. Todas elas afirmavam, com textos semelhantes, que provas já
reconhecidas em decisões anteriores não podem ser desconsideradas
posteriormente. Era uma referência à sentença de 2018, que reconheceu a
confusão patrimonial por parte da Tinto Holding.
Todas essas referências, contudo, são falsas. Conforme apontou o
desembargador Gomes Varjão, relator do caso e presidente da 34ª Câmara de
Direito Privado, não há na corte uma desembargadora chamada Ana Catarina
Estrada, e o número do processo do TJ-SP não corresponde a qualquer ação
em trâmite no tribunal.
“Acerca do primeiro deles, ‘AI 2239821-32.2021.8.26.0000, Rel. Des. Ana
Catarina Estrada’, pesquisa de jurisprudência desta E. Corte relacionada ao
número indicado retorna sem resultados. Além disso, a I. Desª. referida no
excerto não integra o quadro deste Tribunal”, escreveu Varjão.
As três ementas do STJ citadas no agravo também não existem. Conforme
verificou o desembargador, os números delas são verdadeiros, mas
correspondem a ações em outros estados e sem qualquer relação com o caso.
“Diante de tal cenário, afigura-se nítida a má-fé na conduta temerária da
recorrente, ao indicar precedentes inexistentes ou de todo inaplicáveis ao caso
em exame, com o objetivo de corroborar teses que se mostraram, de todo
modo, infundadas”, anotou o relator.
AgInt 2390021-75.2024.8.26.0000